MISSIVA SUBVERSIVA: A RÉPLICA DO PLAYBOY
A RESPOSTA HISTÓRICA
Rio de Janeiro, 7 de Abril de 1924. Ofício nr. 261 Exmo. Sr. Dr. Arnaldo Guinle (FOTO) M. D. Presidente da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA).
As resoluções divulgadas hoje pela imprensa, tomadas em reunião de ontem pelos altos poderes da Associação a que V. Exa. tão dignamente preside, colocam o Club de Regatas Vasco da Gama numa tal situação de inferioridade, que absolutamente não pode ser justificada nem pela deficiência do nosso campo, nem pela simplicidade da nossa sede, nem pela condição modesta de grande número de nossos associados. Os privilégios concedidos aos cinco clubes fundadores da AMEA e a forma por que será exercido o direito de discussão e voto, e feitas as futuras classificações, obrigam-nos a lavrar o nosso protesto contra as citadas resoluções. Quanto à condição de eliminarmos doze (12) dos nossos jogadores das nossas equipes, resolve por unanimidade a diretoria do Club de Regatas Vasco da Gama não a deve aceitar, por não se conformar com o processo por que foi feita a investigação das posições sociais desses nossos consórcios, investigações levadas a um tribunal onde não tiveram nem representação nem defesa. Estamos certos que V. Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno da nossa parte sacrificar ao desejo de filiar-se à AMEA alguns dos que lutaram para que tivéssemos entre outras vitórias a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923. São esses doze jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de sua carreira e o ato público que os pode macular nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles, com tanta galhardia, cobriram de glórias. Nesses termos, sentimos ter que comunicar a V. Exa. que desistimos de fazer parte da AMEA. Queira V. Exa. aceitar os protestos de consideração e estima de quem tem a honra de se subscrever, de V. Exa. At. Vnr. Obrigado (a) Dr. José Augusto Prestes. Presidente.
RÉPLICA À RESPOSTA HISTÓRICA
Rio de Janeiro, 17 de abril de 1924. Exmo. Sr. José Augusto Prestes,
Accusando o recebimento do officio desse club, datado de 9 do corrente [a data correta é 7/4/1924], que se nos chegou às mãos no dia 11, prevalecemo-nos desta opportunidade para fazer algumas considerações sobre o que ali se diz a respeito da primeira e única entrevista que tivemos com V. Ex. Com referencia ao primeiro paragrapho, devo dizer que as resoluções divulgadas pela imprensa não podiam ter sido levadas ao vosso conhecimento pela leitura de jornaes, porquanto, na entrevista acima alludida, tivemos occasião de lêr integralmente o documento que foi posteriormente publicado, depois do que, demos sobre elle, todas as explicações necessárias. Não houve, portanto, como parece se inferir desta parte do vosso officio, sonegação de informações que uma vez conhecidas pudessem modificar a attitude do Club de Regatas Vasco da Gama. Quanto ao segundo paragrapho, cumpre-me observar que a organização da Associação Metropolitana de Esportes Athleticos já era conhecida de V. Ex., antes do pedido de filiação desse club, datado de 15 de março ultimo, porquanto os presentes estatutos são, por assim dizer, os mesmos que foram apresentados à Liga Metropolitana de Desportos Terrestres, dos quaes V. Ex. tomou conhecimento, por isso sobre elle exerceu a sua critica no seio daquella instituição. Ora, já nesse projecto os direitos dos clubs, actualmente fundadores da A. M. E. A. não eram os mesmos concedidos ao club por V. Ex. dirigido. Por esta razão, foi com surpresa que lemos o 2o paragrapho do referido officio, cujo conceito se nos afigura sobremodo tardio. Quanto ao 3o paragrapho, o Club de Regatas Vasco da Gama labora em evidente erro, porquanto a Commissão Organizadora nunca poderia ter negado a quem quer que fosse o direito de defesa e isto mesmo foi declarado a V. Ex. pelo signatário do presente officio. Declaramos então que uma vez filiado, o Club de Regatas Vasco da Gama entraria com um novo officio, demonstrando satisfazerem, os seus jogadores, a todas as condições legaes do amadorismo e que, uma vez provada a improcedencia da syndicancia feita pela A. M. E. A., as respectivas inscripções seriam concedidas. Dissemos mais, que se havia, naquelle momento, discrepancias entre as informações fornecidas por esse club e a syndicancia por nós realizada, a responsabilidade dahi decorrente recaia exclusivamente sobre o Club de Regatas Vasco da Gama, e que, como o mesmo acontecia aos demais clubs, tonava-se impossivel discutirmos todos esses casos particulares naquelle momento, dada a exiguidade de tempo que nos separava do inicio dos campeonato officiaes da actual temporada sportiva. Achamos, portanto, que melhor seria organizar a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos para em seguida tratarmos desses casos particulares. Finalmente, dissemos a V. Ex. que embora estivessemos promptos a attender aos reclamos do vosso club a este respeito, alimentavamos a esperança de que, para o futuro, elle fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguezas, porquanto ao nosso ver, não havia em nosso meio outra colonia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma demonstração sportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular. A isto retorquiu V. Ex. não ser possivel, visto como o regimen de trabalho pesado do commercio portuguez não permittia que os seus empregados deixassem as suas occupações para se entregar ao preparo indispensavel aos jogos dos campeonatos officiaes da A. M. E. A. Eis porque, Sr. presidente, tomando conhecimento do officio de V. Ex., de 9 do corrente [a data correta é 7/4/1924], lastimamos que a boa acolhida que mereceram os nossos conceitos por parte de V. Ex. não tivessem se traduzido posteriormente numa acção de solidariedade do vosso club, para com aquelles que souberam, nas primeiras horas de actividade nos sports terrestres desse valoroso gremio, estender-lhe a mão para, à sombra desta boa vontade, sympathia e solicitude, crescer na sua estima e consideração. Permitta V. Ex., sem outro motivo, que me subscreva com toda a consideração e estima, o criado, attento e obrigado. Arnaldo Guinle, presidente da Comissão Organizadora.
PRECONCEITO EXPLÍCITO
(...) alimentavamos a esperança de que, para o futuro, elle [o Vasco da Gama] fizesse todos os esforços para constituir equipes genuinamente portuguezas, porquanto ao nosso ver, não havia em nosso meio outra colonia capaz de apresentar melhores elementos que a portugueza para uma demonstração sportiva das verdadeiras qualidades desta nobre raça secular (Ofício da AMEA em réplica à Resposta Histórica, de 17 de abril de 1924).
Havia o interesse dos cartolas da AMEA que o Vasco formasse times só com portugueses, ao estilo do Luzitania S.C. Assim, o embate que eles sonhavam contra os “grandes” da época (só tinham jogadores brancos), em uma concepção racialista, seria um confronto de raças: “portuguesa” x “brasileira”.
Além disso, o documento da AMEA expõe o desejo de colocar o Vasco como um clube exclusivo de portugueses, sem os negros, e o interesse dos dirigentes da nova liga em estigmatizá-lo como um pária estrangeiro, que atuava contra os “legítimos clubes brasileiros”.
Logo o Vasco da Gama! O mais brasileiro dos “grandes” do Rio de Janeiro, aquele que melhor representava – e ainda representa - a diversidade da população.
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