O edital de licitação do Maracanã é uma arapuca. No documento proposto pelo flamenguista e governador Claudio Castro, para obter a nota máxima na “proposta técnica” – a de maior peso - seria necessário apresentar 70 datas de jogos por temporada. Os números (vazados na FlaPress) indicam a vitória do ‘Consórcio Fla-Flu’ por 117 x 81 sobre o ‘Consórcio Maracanã Para Todos’, que inclui o Vasco, já que a comissão de licitação – escolhida por Castro – desconsiderou possíveis jogos de Santos e Brusque, sob a alegação de que eles não estão sediados no Rio de Janeiro.
Este veto contraria o próprio edital, e inviabiliza qualquer outra proposta que não seja a dos coirmãos da zona sul - ou seja: uma trapaça.
Para completar 70 jogos, ou perto disso, o Vasco não poderia ter como aliados Bangu, Olaria ou América – times cariocas - porque somente os clubes das séries A e B do Brasileirão têm direito a se credenciar à licitação.
Também era impossível incluir jogos de Flamengo e Fluminense, o que seria algo natural – a proposta do ‘Consórcio Maracanã para Todos’ é o estádio aberto a qualquer um, com isonomia, sem discriminação (ao Vasco) e sem os privilégios que, desde 2019, favorecem os gestores provisórios (Fla-Flu).
Em qual estádio eles jogariam, além do Maracanã, no caso de uma – mais que provável – vitória da proposta do ‘Consórcio Maracanã Para Todos’?
... Rua Bariri? Luso-Brasileiro? Laranjeiras? Brasília? Juiz de Fora?!
Sobre quem pode participar da concorrência, consta no idem 8 do edital – CONDIÇÕES DE PARTICIPAÇÃO NO CERTAME – 8.1 - Poderão participar da licitação pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras, isoladamente ou reunidas em consócio, cuja natureza e objeto sejam compatíveis com sua participação na licitação.
A justificativa da comissão de licitação é absurda:
“O licitante (Vasco) (...) No que se refere às datas pertencentes a Santos e Brusque, é forçoso reconhecido que as mesmas não se prestam a cumprir às exigências do edital, uma vez que se trata de entidades sediadas em outros Estados da federação”.
O contorcionismo prossegue, tomando por base normas da CBF e ignorando que a Vila Belmiro, o estádio do Santos, será fechada para reforma. O clube paulista tem tradição (e glórias) no Maracanã desde o tempo de Pelé.
“(...) que tal condição impõe aplicação de restrições prescritas em regimentos da CBF, notadamente o Regimento Geral de Competições (RGC), que textualmente reconhece como excepcional a transferência de uma partida de futebol, da união federativa que tal clube está vinculado”.
CHANTAGEM
Sempre que é contrariado sobre o Maracanã, o Flamengo responde que vai abandoná-lo e construir um estádio próprio – na Barra da Tijuca, Duque de Caxias, Nova Iguaçu, Ilha do Governador, Gávea ou Caju – nunca o faz – é jogo de cena para encobrir a real intenção de apoderar-se eternamente do patrimônio público.
A primeira vez em 1957: contrariado com o preço dos ingressos no Maracanã, que eram definidos pelos deputados do então Distrito Federal, Hilton Santos, o presidente, ameaçou reformar a Gávea.
Com a situação do Maracanã indefinida após a desistência da Odebrecht, em 2017, começou a chantagem (arma de covardões): o prefeito Marcelo Crivella autoriza o Flamengo a construir um estádio para 25 mil torcedores, na Gávea. Em setembro, o rival assina a opção de compra de um terreno entre a Avenida Brasil e a Linha Vermelha.
A mensagem é clara: sem nós, o que será do Maracanã?
Sobre o coirmão Fluminense, em 2000, o governador Anthony Garotinho propôs financiar um estádio para 45 mil na Barra da Tijuca, a ser dividido com o Botafogo – pronto em 2002. Recusaram.
PROPOSTA FINANCEIRA
Três princípios norteiam as ações do Estado nas licitações públicas, e nenhum deles foi cumprido: 1) impessoalidade (todos iguais) – espantoso favorecimento ao Flamengo; 2) publicidade (transparência) – não há. Atos da comissão de licitação vazados para a imprensa, duas vezes; e 3) economicidade (vantagem financeira) – Maracanã, equipamento público, deve gerar dinheiro.
O vice-presidente Jurídico do Flamengo, Rodrigo Dunshee, quase teve um ataque de pânico ao saber – por vazamento de informação – que a proposta técnica do ‘Consórcio Maracanã Para Todos’ tinha a participação de Santos e Brusque, além do Vasco.
Dunshee – um advogado repudiado por famílias
das vítimas da Tragédia do Ninho do Urubu, em 2019 - passou a bradar que o
Vasco estaria burlando o edital: uma grande mentira.
Mas esta versão, fake, reverberou na FlaPress e deu certo.
Eis que se descobriu - em outro vazamento seletivo - que a comissão de licitação já tinha decidido o ganhador, ao impugnar Santos e Brusque e, assim, fazendo abrir 36 pontos (117 x 81) em favor do ‘Consórcio Fla-Flu’.
Diferença impossível de ser revertida com a proposta financeira – a última fase, que está por vir.
As propostas “técnicas” e “financeiras” costumam ser proporcionais. Nada justifica o Governo abrir mão de arrecadar mais dinheiro – poderia investi-lo em saúde, educação, qualquer área – em favor dos de sempre.
A surpresa de Dunshee com a presença de Santos e Brusque foi porque ele acreditava que o trambique no edital de licitação já estivesse consolidado desde 2022, com a furtiva intervenção do flamenguista e conselheiro Marcio Pacheco e do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ).
O Vasco não podia ter chance...
GOLPE DE 2022
O ‘Consórcio Maracanã Para Todos’ apostava na superioridade da sua proposta financeira para ganhar a licitação - a entrega dos envelopes estava prevista: dia 27 de outubro de 2022. Com o palco armado para a vitória do ‘Consórcio Fla-Flu’, o Vasco, através do ‘Consórcio Maracanã para Todos’, entrou na briga.
Mas cometeu um erro: anuncia UM DIA antes, e não UM MINUTO antes do prazo de entrega dos envelopes.
Em 24 horas, agentes do sistema identificaram ser ela – em parceria com WTorre - a melhor. O responsável por travar o processo licitatório foi Marcio Pacheco, conselheiro do TCE-RJ. Segundo ele e outros do órgão, itens do edital, subitamente, se tornavam inconcebíveis.
Um ano e meio depois - abril de 2024 - a licitação voltaria à cena, mas, dessa vez, com uma diferença fundamental: a “proposta técnica” passa e ter bem mais valor em relação à “proposta financeira”.
Durante um ano e meio, o processo licitatório esteve no TCE-RJ. Um dia, a conselheira e flamenguista Mariana Willeman pediu vista - para estudar o caso. Solicitou a manutenção da tutela provisória que tinha suspendido a licitação de outubro de 2022, seguida pelos seus pares.
Negou o pedido do Vasco sobre a gestão provisória.
De imparcial Mariana nada tem: é esposa do ex-vice-presidente Jurídico do Flamengo na gestão Bandeira de Mello, Flavio Willeman (hoje, um subprocurador do Estado). O relator Cristiano Lacerda Ghuerren defendeu a não renovação do Termo Provisório de Uso (TPU), mas foi voto vencido.
ENSAIO
Sucessor do ladrão Luiz Fernando Pezão, Wilson Witzel ofereceu a gestão provisória a Flamengo e Fluminense em 2019 por uma bagatela. Preso, o seu sucessor Claudio Castro prometeu concluir a licitação até novembro de 2021. Mentira. Enquanto isso, eles renovaram nove concessões provisórias (semestrais) para a dupla Fla-Flu.
Nos últimos anos, ignorando os apelos do Vasco – que questionava a renovação provisória sem que houvesse um chamamento público por ela. Em novembro de 2023, enfim, aconteceu o “chamamento público”, mas, na verdade, era ensaio para o trambique que, agora, se desenrola.
Em jogo, a cessão do Maracanã até 31 de dezembro de 2024 - ou até a licitação. O Vasco, impedido de participar: foi vetada a participação de empresas internacionais (a sócia, WTorre); 2) atestado de capacidade técnica em gestão de operação e manutenção de estádio de futebol com capacidade mínima de 30 mil lugares; e 3) o mesmo em ginásio esportivo com capacidade mínima de cinco mil lugares.
O Vasco não os tem. Os rivais muito menos. Porém, se dizem “donos” do Maracanã e do Maracanãzinho – bens públicos.
Sem concorrência, levaram a melhor, com a pechincha de R$ 234 mil\mês de outorga. Os cartolas dos coirmãos da zona sul – míopes de caráter quando o papo é isonomia – ainda emitiram um nota criticando a ausência do Vasco nesta licitação fajuta.
PERSONAGENS
Graças à articulação política do governador Claudio Castro que Marcio Pacheco foi eleito conselheiro do TCE-RJ. Castro era o chefe de gabinete de Pacheco, na ALERJ. Pacheco – ex-deputado líder do governo de Wilson Witzel - é acusado pelo Ministério Público-RJ de peculato, organização criminosa e lavagem de dinheiro que teriam ocorrido em seu gabinete quando ainda era um deputado estadual.
Witzel, Castro e Pacheco são entusiasmados torcedores do Flamengo e frequentam os jogos de camisa e bandeira.
Em breve, Claudio Castro pode ser outro governador preso.
Na última quinzena de 2023, seus sigilos bancário, fiscal e telefônico foram quebrados, na Operação Sétimo Mandamento: apura DESVIOS E FRAUDE EM LICITAÇÕES EM CONTRATOS SOCIAIS ENTRE 2017 E 2020, CORRUPÇÃO ATIVA E PASSIVA, LAVAGEM DE DINHEIRO E PECULATO.
O irmão dele teve a casa visitada: busca e apreensão.
Delatores: Marcus Azevedo da Silva diz que Castro recebeu propina em contratos da prefeitura, como vereador, em 2017. Já Bruno Campos Selem, ex-Servlog, tinha contrato com a Fundação Leão XIII, e disse ao MP que, num encontro, em 2019, Castro, então vice-governador, teria recebido R$ 100 mil em espécie de Flavio Chadud, o dono da Servlog, em um shopping na zona oeste – o encontro está registrado por câmeras de segurança.
FOTO - O governador Claudio Castro, o presidente do Flamengo, Rodolfo Landim e seus amigos.