10 de abril de 2024

RIVAL SEMPRE MAMOU NAS TETAS DO ESTADO

No final do século XIX, os remadores rubro-negros, às vezes, usavam o píer da presidência da República para lançar os barcos na Baía de Guanabara, tirando proveito da vizinhança entre o Palácio do Catete e o casarão que servia de sede\garagem do clube, cujos atletas eram todos estudantes ricos, brancos, os legítimos filhos da burguesia.

Desde então, parece que o Flamengo se considera no direito de obter benefícios públicos.

De Pedro Ernesto a Witzel e Claudio Castro, são muitos os favorecimentos. Ao usurpar o Maracanã, o Flamengo - junto ao Fluminense – ignora o disparate que é discriminar a imensa torcida do Vasco em um estádio público, que custou R$ 1,2 bilhão – sem contar os sacos de dinheiro utilizados desde 1950 em manutenção e incontáveis reformas, de todos os contribuintes cariocas, inclusive muitos milhões de vascaínos, vivos e mortos.

Em 1921, segundo o Correio da Manhã, deputados tramaram para que o Flamengo recebesse do Governo federal um empréstimo para a construção do seu estádio. “O stadium da Praia Vermelha, com piscina monumental, será muito em breve uma esplêndida realidade”. O jornal considerava a iniciativa de interesse nacional: “Os poderes públicos o desoneraria (...), permitindo-lhe iniciar entre nós a cultura física”. Deu errado porque o local é área militar e o Ministério da Guerra detonou a investida.

O Flamengo – que, antes, sonhava com a Praia Vermelha - em 1926 ocupou 34.120m quadrados na Gávea, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. Uma invasão. Na época, havia nas proximidades uma favela, aniquilada por incêndio criminoso nos anos 60, durante a gestão do flamenguista e governador da Guanabara, Carlos Lacerda.

Hoje, as margens da Lagoa Rodrigo de Freitas são uma das localidades mais valorizadas pelo mercado imobiliário no Brasil.

Neste mesmo ano de 1926, a prefeitura do Distrito Federal também doou ao Botafogo o terreno para que este construísse a sua sede – o palacete de General Severiano. O Vasco não teve boa vida: precisou comprar um terreno em São Cristóvão, zona norte, para levantar o seu monumental estádio.

No ano seguinte, é negado ao Vasco pelo presidente da República, Washington Luís, a importação de cimento belga, sabendo que o país não dispunha de quantidade para uma obra da envergadura de São Januário. Pouco antes, havia liberado o produto para a construção do Jockey Club Brasileiro - espaço da elite (Fla-Flu) -, no Jardim Botânico.

O último jogo do Flamengo na Rua Paysandu foi em 1932. Depois, peregrinou em Laranjeiras e General Severiano. Enquanto isso, o interventor Pedro Ernesto, prefeito do Distrito Federal (1931-1936) nomeado por Getúlio Vargas, oferecia ao rival inúmeras vantagens: em 1933, o aforamento do terreno invadido em 1926, e a liberação de empréstimos para a construção, no local, do Estádio da Gávea – inaugurado em 1938 (Fla 0x2 Vasco).

No Natal de 1935, Pedro Ernesto articula para que o Flu repasse ao Fla o terreno próximo ao Morro da Viúva, para a construção de um ginásio. Grato por tanta gentileza, em troca, o presidente Bastos Padilha concedeu a Getúlio o título de “presidente do honra” do Flamengo.

O terreno fora doado em 1916 pela Marinha de Guerra ao Fluminense, e lá deveria ter sido construída a sede náutica do fidalgo.

Desde sempre o Flamengo forja a associação de si ao conceito de “nação” – fundado a 17 de novembro, os pioneiros acharam por bem mudar para 15 de novembro, coincidindo, assim, com a Proclamação de República.

A partir de meados da década de 1930, ações de marketing partiam do Jornal dos Sports: por civismo, antes de um Fla-Flu, em Laranjeiras, a torcida cantou o hino nacional, fazendo valer recente lei do Estado Novo. Nas páginas do periódico, era comum a relação entre Brasil e Flamengo.

Em 1936, o clube promove um concurso de fotografia, chamado “Uma vez Flamengo, sempre... tudo pelo Brasil”, com patrocínio do Jornal dos Sports. Roberto Marinho concorre, mas o clique vencedor é o de Hans Peter Lange: dois operários na construção do Estádio da Gávea – o “novo” perfil para as novas gerações de flamenguistas. Em 1937, a vencedora foi a de um torcedor com as bandeiras do Brasil e do Flamengo às mãos.

Getúlio Vargas e Eurico Dutra colaboraram com o Flamengo. Vargas concedeu um generoso empréstimo, a juros baixos. Dutra, ao assumir a presidência da República, não custou a doar ao clube de coração – do qual era associado - um valioso terreno no Centro da cidade. Também foi parcial na comemoração do 1º de maio no primeiro ano de governo: em um amistoso Flamengo x São Paulo, disputado em São Januário.

No terreno próximo ao Morro da Viúva foi construída a nova sede social do Flamengo nos quatro primeiros andares de um prédio enorme. O rival teve o apoio de Dutra para a liberação de um empréstimo de Cr$ 40 milhões da Companhia SulAmérica de Seguros. Em 1953, foi inaugurado. Vinte andares, 148 apartamentos para alugar na zona sul – nada mal em se tratando de um clube esportivo. Em 2017, o vendeu a uma imobiliária por R$ 112 milhões.

O negócio foi possível graças à intervenção do prefeito Marcelo Crivella, ao aprovar lei permitindo que o imóvel se tornasse um “empreendimento comercial”. O queridinho do sistema ainda mantém 44 apartamentos por lá.

Das poucas derrotas do Flamengo na queda de braço com governantes – em qualquer esfera – foi na década de 1950, quando os deputados do Distrito Federal e, depois, da Guanabara - e não os clubes! - decidiam sobre os preços dos ingressos no Maracanã. O impasse atravessou as gestões de Negrão de Lima (PSD) e Carlos Lacerda (UDN) na prefeitura, ao ponto de o presidente Juscelino Kubitschek (PSD) sugerir a federalização.

PONTA DIREITA

Em 1945, com a queda do Estado Novo e a redemocratização do Brasil, flamenguistas ilustres – Ary Barroso, Bastos Padilha, Zé Lins do Rego –, se filiam à UDN – o grande partido conservador da direita. Ary Barroso foi correligionário do golpista Carlos Lacerda. No entanto, muitos associados do Flamengo ficaram com Getúlio Vargas (PTB) devido ao seu apoio a Eurico Dutra, benemérito do clube, para a presidência da República.

O jornalista Sebastião Nery, no livro Folclore Político, relatou:

“Na crise que corroía o governo de Getúlio Vargas e que antecedeu ao suicídio (1954), o flamenguista Carlos Lacerda solicitou ao general Canrobert, torcedor do São Cristóvão, que depusesse Vargas. Canrobert: “Não ajudo a botar tanque na rua (...) só se vier para o Exército tudo quanto é moção. Todo mundo pedindo, até o Clube de Regatas do Flamengo”. Lacerda levou ao pé da letra e, para surpresa do general, obteve do seu clube de coração uma moção solicitando a renúncia do presidente”...

Em 1959, o flamenguista Carlinhos Niemeyer, dono do ótimo Canal 100, é contratado pelo Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) – de caráter privado - para exibir curtas-metragens de futebol antes dos filmes em todos os cinemas do Rio, em 35mm, em qualquer circunstância pró-Flamengo e anti-Vasco. O IPES era bancado pelo Estados Unidos para combater o “comunismo”. Agiu em favor do golpe de 1964: conspirou, pesquisou, fez documentários, filmes publicitários etc. contra o ex-presidente João Goulart.

Nos anos 70, a torcida do Flamengo adotaria uma versão da música de campanha do Governo federal, em tempos de ditadura militar: “Ó, meu Brasil\ eu gosto de você\ quero cantar ao mundo inteiro\ a alegria de ser brasileiro”... O presidente Emilio Garrastazu Médici, como Dutra, foi sócio do rival.

Os cartolas de hoje, como o presidente Rodolfo Landim e o vice de futebol Marcos Brás – ambos envolvidos em questões policiais e com a Justiça -  apreciavam a presença do amigo deles e ex-presidente da República, Jair Bolsonaro (FOTO), nos jogos.

O SISTEMA

O poder do Flamengo se manifesta nas autarquias. Como em 1979, quando atropelou uma determinação do Conselho Nacional de Desportos (CND) para se sagrar tricampeão carioca em dois anos.

Milagre? Claro não...

Embora a Guanabara e o Rio de Janeiro tenham se unido em 1975, a Federação Carioca de Futebol (FCF) e a Federação Fluminense de Futebol (FFF) continuaram separadas até 1978. Em 1976 e 1977, três do interior (Americano, Goytacaz e Volta Redonda) jogaram o Campeonato Carioca, convidados, e um acordo foi costurado para que aumentasse para seis em 78. Isto não caiu bem e gerou a exclusão de Americano, Goytacaz e Volta Redonda do campeonato de 1978 (no segundo semestre). A FFF apelou à Justiça e paralisou a competição. A pendenga acabou com a intervenção do CND, que fundiu a FCF e a FFF, fazendo surgir a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (FERJ), obrigada – em 1978! – a organizar a competição unificada: o I Campeonato do Estado do Rio de Janeiro, com fase final em fevereiro de 1979: seis da capital e quatro do interior. Esta fase, porém, iria se transformar em campeonato à parte (“Especial”), já que o Flamengo propôs à FERJ – ignorando o CND - que o campeonato unificado ficasse para 1979. Motivo: o risco de ver o título da fase classificatória de 78 – 1x0 sobre o Vasco, gol de Rondinelli – varrido da história. O impasse acaba no Conselho Arbitral de 23 de janeiro de 1979, no qual o Flamengo perde por 9x8, não aceita, provoca no grito a suspensão do mesmo e a marcação de nova reunião para o dia seguinte, quando - de forma esquisita - convence o Madureira a mudar o seu voto, ganha por 9x8 e transforma a ex-fase final de 1978 num campeonato à parte em 1979. 

O Flamengo voltaria a ser favorecido pelo Governo federal em 1984. Com a publicidade, enfim, liberada pelo CND, o Vasco fechou com a “Bandeirante Seguros” um contrato curto, pontual, enquanto o rival passou a ser patrocinado pela “Petrobras” (LUBRAX). Companhia estatal – por longos 25 anos (até 2009) inundando-o com dinheiro público. O seu. O dos vascaínos. O de todos. Em 2013, outra estatal – a Caixa Econômica Federal – passou a patrociná-lo, até 2019. A atual mamata pública vem do Banco de Brasília.

Ex-executivo do BNDES, o então presidente do Flamengo, Bandeira de Mello, fechou com um patrocinador: a Peugeot. Eis que o BNDES liberou financiamento de R$ 154 milhões à Peugeot Citroën do Brasil. Em 2015, com o fim deste contrato, a Jeep (Fiat Chrysler Automobiles) passou a patrocinar o rival. Logo, foi contemplada com empréstimo de R$ 3 bilhões. Coincidência. Inclusive, porque Bandeira não era do setor comercial e nem sequer participou das negociações. 

Na Justiça e nas delegacias o Flamengo também é poderoso. Há incontáveis exemplos – como esses:

Em 1986, o Caso das Papeletas Amarelas - o presidente do clube, George Helal, admitiu que Cz$ 300 mil do clube foram parar na conta do diretor de arbitragem da FERJ, Paulo Antunes. Segundo a revista Placar tratava-se de suborno para ser favorecido contra os times “pequenos”. O Ministério Público-RJ e a policia investigaram (!), sem conclusão de que houve crime. O caixa-dois envolvia Cz$ 4 milhões e houve desdobramentos jurídicos.

Em 2019, o Assassinato do Ninho do Urubu - incêndio em containers usados como dormitório resultou na morte de dez jovens das categorias de base. Ninguém foi preso, e nem sequer o clube – os cartolas estavam cientes do risco - foi punido.

O caso tramita a passos de tartaruga na 36ª Vara Criminal.

O “ninho” se chama Centro de Treinamento George Helal.

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